Diversidade nas artes e na moda

O aspecto da democratização e de busca por diversidade nas indústrias criativas esteve presente em debates nos palcos Arts&Crafts e Screening Room, na edição de 2023 do Rio2C.

O palco Screening Room reuniu três cineastas negros e uma indígena — Gabriel Martins (“Marte Um”), Juliana Vicente (“Racionais – Das Ruas de São Paulo Pro Mundo”), Fernando Barcellos (“5x Favela”) e Graciela Guarany (“Cidade Invisível”) — em torno do tema Reimaginando o Brasil nas Telas: Vozes Emergentes e Poderosas.

“Estamos num momento em que não dá mais para ignorarem as nossas existências. Não dá para fazer coisas para nós sem nós.”

(Graciela Guarany)

Fernando lembrou que a imagem do país construída no cinema e na TV no passado, mesmo quando abordava as populações negras e indígenas, não era liderada por seus representantes.

“Um Brasil foi imaginado para a tela, e não foi por nós. Para reimaginar o país e mudar esse retrato é preciso que haja uma união de todos. Por que isso está acontecendo agora? Porque se entendeu o potencial de consumo do povo preto e dos povos originários.”

(Fernando Barcellos)

A perspectiva mercadológica também foi destacada por Juliana:

“Acredito muito que esse movimento do VoD escancarou a necessidade que tínhamos de nos ver nas telas. Quem não acreditava no conteúdo negro viu os dados de sucesso, que se refletiam em dinheiro.”

(Juliana Vicente)

A paulistana apontou ainda outro aspecto: “A necessidade de recriar narrativas tem a ver também com a necessidade de encontrar novos caminhos para o mundo, em termos sociais, ambientais, em todos os sentidos.”

Gabriel Martins apresentou a questão de outro ângulo: “A tecnologia trouxe a possiblidade de produzir e veicular conteúdos como não havia antes. Demorou muito para muita gente, mas, de alguma forma, esse talento se tornou inquestionável e o mercado não conseguiu deixar de perceber isso.”

Já o painel Desafiar Padrões e Reconstruir Narrativas: Autenticidade na Moda e na Arte, que ocorreu no palco Arts&Crafts, trouxe participantes como a pesquisadora e estilista indígena Day Molina, que defendeu a importância do afeto na luta por reconhecimento e diversidade. “A gente luta porque não temos escolhas. A afetividade e o amor são uma causa e, sempre que entramos numa luta, entramos por alguma causa.  Se você não ama, nada vai importar nessa luta. Mulheres inteligentes lutam com fúria e com amor.”

Outra integrante do painel, a artista visual Silvana Mendes, trouxe sua perspectiva de mulher negra:

“Amar é uma novidade para a mulher negra. Esse direito de ser amada é recente pra gente. Ser ouvida por outras pessoas é um direito que foi conquistado há pouco tempo. É um processo que demora e ainda é um longo caminho”.

(Silvana Mendes)

Rafael Silvério, estilista negro, criador de sua própria marca, criticou a pouca abertura da indústria da moda à diversidade: “Nós não estamos preparados para ocupar esse espaço (da moda) e esse espaço não está preparado para nos receber. Os avanços acontecem, a gente sempre está negociando, mas as empresas evoluem muito pouco e depois retornam ao primeiro capítulo quando o assunto é diversidade.”

O palco principal do festival sediou o encontro entre Preto Zezé e Regina Casé, mediado por Zé Ricardo, para falar de suas trajetórias e ressaltar todo o potencial criativo das favelas brasileiras.

Eles mencionaram a enorme produção cultural vinda da periferia e a ausência de retorno financeiro e de reconhecimento para aqueles que produzem. O programa “Esquenta”, de Regina, foi lembrado como uma iniciativa pioneira de mostrar a cultura das favelas e de seu imenso potencial criativo.

Zezé ressaltou que na época – e ainda hoje – ninguém mostrava favelado feliz, rindo, cantando, o que só acontecia no “Esquenta”, e que isso causava revolta e rejeição no público brasileiro com o seu racismo estrutural.

“Vieram uma vez me perguntar o que eu achava do funk ostentação. E eu perguntei o que era. Me falaram que era funk em que o artista mostrava um carro, uma casa boa, joias, bebidas caras. Eu disse: isso não é ostentação, é funk celebração”.

(Preto Zezé)